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Consultas Boa Vista

Jornada de trabalho reduzida Ilusão, preguiça ou mudança necessária?

4 dias de trabalho: ilusão, preguiça ou mudança necessária?

No começo do século 19, era absolutamente comum as pessoas trabalharem entre 12 e 16 horas por dia, seis dias por semana. O trabalho extenuante como obrigação social, e único caminho de sobrevivência era parte daquele mundo e daquele nível de consciência coletiva. Aliás, uma das primeiras leis do mundo do trabalho, criada nessa época, buscava proibir a contratação de crianças com menos de 9 anos (!!!) nos moinhos de algodão. E mesmo após a criação dessa lei, crianças entre 9 e 14 anos podiam ser contratadas, desde que a jornada máxima fosse de 12 horas por dia

Alguns anos depois, Robert Owen, rico industrial inglês e um dos mais importantes socialistas utópicos da Europa, começou a implementar melhorias nas condições de trabalho e saúde de suas comunidades de empregados, alcançando resultados positivos. Historicamente, a Owen é creditada a ideia inicial do conceito de "8 horas de trabalho, 8 horas de lazer, 8 horas de descanso". No entanto, esse pensamento só foi realmente difundido em grande escala a partir de 1926, quando Henry Ford instituiu, como norma, as 8 horas diárias de trabalho em sua companhia, a Ford Motor. Em 1922, ele já havia definido a semana produtiva de 5 dias de trabalho em vez de 6 dias. Importante ressaltar que, além de reduzir a jornada de trabalho de seus empregados, Ford também mais do que dobrou os seus salários. (#quero) Especula-se que seus interesses estivessem mais ligados a aumentar o giro de capital e de consumo do que ao bem-estar dos trabalhadores, mas é inegável que sua ação foi positiva e tornou-se um ponto de virada para a história do trabalho, ao influenciar mercados no mundo todo a adotarem a semana produtiva de segunda a sexta-feira.

Como você pode imaginar, houve resistência de diversos segmentos, ataque de outros empresários, descrença e desconfiança. Porém, ninguém pôde ignorar os resultados: maior produtividade, menos doenças e mais lucro. Touché! Cerca de 100 anos se passaram e cá estamos nós em uma nova discussão (que bom!) sobre o volume de dias e de horas laborais, aparentemente, tomando consistência em torno da ideia da semana de quatro dias de trabalho. (#quero2) Há diversas iniciativas sobre o tema acontecendo ao redor do mundo - e aqui no Brasil também. No entanto, ainda não temos um movimento de grande volume estruturado que sirva de parâmetro, comparação e inspiração. Ou melhor, não temos "ainda”... 

Uma das grandes defesas para a implementação de testes de redução de período de trabalho baseia-se na chamada Lei de Parkinson, apresentada em 1955 pelo historiador Cyril Northcote Parkinson, que pode ser resumida na ideia de que "todo trabalho se expande de modo a preencher o tempo disponível para a sua realização". Isso quer dizer que forçar um pouco a barra para a redução de prazos e melhor planejamento tende a se mostrar como incentivo e trazer resultados positivos para a produtividade. Em contrapartida, haverá mais tempo de descanso, lazer, desenvolvimento e qualidade de vida para trabalhadoras e trabalhadores.

Enquanto exploramos possibilidades para essa mudança, é importante manter o interesse por formatos flexíveis. Há empresas praticando 4 dias de trabalho por semana com a manutenção de 40 horas trabalhadas (ou seja, 10 horas por dia), outras com redução agressiva da faixa horária, totalizando 24 horas trabalhadas (ou seja, 6 horas por dia). Também há organizações que liberam as sextas-feiras, enquanto outras sugerem a pausa na quarta-feira. Ou seja, essa transformação não deve acontecer no modelo "copie e cole.

Certamente, ainda há muitos pontos a serem discutidos para avançarmos no movimento da redução da jornada de trabalho e na construção de novos formatos flexíveis. Mas o que realmente é importante aqui é reconhecer que esse pensamento não é ilusão, moda ou preguiça, mas sim a busca pelo desenho de um melhor equilíbrio entre trabalho de vida e trabalho profissional. Entre cuidar do corpo, da comunidade, da família, da mente, e cuidar dos negócios.
 

Fonte: UOL Economia - Alexandre Pellaes